Demorei a escrever sobre o projecto Foge Foge Bandido ou «Então, e o que tu andaste a fazer nestes dez anos, Manel Cruz?». E, mesmo agora, não me sinto muito à vontade para dizer coisas amadurecidas sobre o duplo "O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu Que Estraguei". Vamos lá a ver o que por aqui se arranja.
Primeiro, o packaging e todo o artwork da coisa. Brilhante, no mínimo. Este é também um (duplo) disco que se lê e vê. Das letras aos desenhos esquisitos e esboços de rimas e poemas, pelo punho do artista, passando pelo resumo por todos os suportes em que foram registados os sketches e riffs que originaram as faixas (78!!) do disco - das cassetes aos Minidiscs até ao suporte informático actual. Todo um trabalho visual no livro que envolve o disco, no que também se não pode esquecer o arrojo da editora Turbina (já o packaging estranho do disco do Nuno Prata me havia surpreendido).
E a que soa - o mais importante? Eu sei lá!... Há por ali a influência do Tom Waits, mas também há rock, pop, programações e loops, beatboxing e spoken word, folk e fado, e muita experimentação...
Esse um dos grandes desafios do disco. É denso. Muito denso. Muitas ideias, muitas delas (muito boas) explanadas em menos de dois/três minutos. E há canções excelentes... e às dezenas: Tirem o Macaco da Prisão, Borboleta, Ninguém É Quem Queria Ser, Canção da Canção Triste, Falso Graal, Um Tempo Sem Mentira, À Sua Volta, Canção da Canção da Lua (e ainda só vou nas que me lembro, assim de repente, do primeiro disco, "O Amor Dá-me Tesão")... E depois, pega-se no segundo discozinho, vermelho, e saem de lá, logo nos primeiros minutos Canto dos Homens-Conto, As Nossas Ideias (um monumento de 1'58'' apenas!), Tu Não Tens de Mudar, Acorda Mulher... e a lista continua e continua...
[Quando ando pela estrada fora e pontapeio uma pedra só descubro uma ou duas dores nos dedos do membro inferior acidentado. Já Manel Cruz parece ter nascido com aquele dom de dar um chuto à mesmíssima pedra e saírem de lá debaixo uma 3 ou 9 ideias...]
Em termos de escrita, Manel Cruz também nunca foi fraco, longe disso. Descanse qualquer admirador do homem, que continua a haver aquele cuidado nas palavras usadas, nos seus significantes e significados.De resto, nota-se ser um disco de afectos. Um disco de família. Não só porque há membros da família Cruz e derivados a participar, mas também amigos e todos os Ornatos Violeta - como que a provar que, por mais disfuncional que pareça, toda a família se pode dar bem se dominar essa técnica maravilhosa, o doseamento das relações.
O meu conselho é mesmo este: se não o tiverem, comprem-no. A sério. É um clássico instantâneo. Um disco que demora a deglutir, quer se pense numa "digestão" mais imediata, de dias ou semanas, quer numa perspectiva mais intemporal, de anos... De uma vida - ou, para os mais exigente, só de uma década, a que agora finda na vida do criador do Foge Foge Bandido.
Mais uma vez, remete-se para as músicas que podem ouvir no site do projecto, como perfeita porta de entrada para este trabalho.
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